quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O (IM)POSSÍVEL

Quem eram os (Reis) Magos? Como em outros exemplos da iconografia cristã, a figura dos Reis Magos está envolvida em mistério... Até ao século VII não se consagrava o número de três reis, especulava-se sim que seriam adoradores do deus Mitra, e quanto à sua procedência – nativos da Arábia, Mesopotâmia, Babilónia ou Pérsia! ... «Chegaram do Oriente a Jerusalém uns magos dizendo: onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?» O texto de S. Mateus – único evangelista que dá conta desta visita - não oferece nenhuma concretização acerca dos misteriosos magos, que nos permita intuir se a sua condição era régia, qual era o seu número, como se chamavam ou a que raça pertenciam...
Os magos eram sacerdotes muito cultos, com grandes conhecimentos de astronomia e astrologia. Alguns deles ocupavam cargos públicos, mas nenhum deles chegou a reinar. Os que a Bíblia cita poderiam ser oriundos da Arábia, Mesopotânia, Babilónia ou Pérsia. Eram, com toda a probalidade, adoradores do deus Mitra. A sua religião tinha tantas semelhanças iconográficas com a que trinta anos depois predicaria o recém nascido que, quando séculos mais tarde se descobriu no Aventino de Roma o “mitreu” da sacerdotisa Prisca, os cristãos deduziram, pela simbologia ali exposta, que se tratava de uma catacumba cristã. Assim que, canonizaram a oficiante da religião pagã e edificaram por cima uma igreja consagrada à nova santa! Nos primeiros tempos da nossa Era, a palavra “mago” tomou o sentido pejorativo de “bruxo”, como o prova a história de Simão o Mago, assimilado a Anticristo. Assim, o primeiro grande escritor do cristianismo, Tertuliano, em princípios do século III, resolveu o problema - convertendo os Magos em Reis. A partir de então, a coroa ou o turbante régio substituíram o gorro frígido que cobria as suas cabeças. Dada a imprecisão bíblica sobre este episódio, o número dos Reis Magos sofreu notáveis oscilações na iconografia cristã: nas catacumbas aparecem dois e quatro. A Igreja síria fixou em doze o seu conjunto, para estabelecer um paralelismo com as tribos de Israel e os apóstolos. Enquanto isso, os cristãos coptas afirmavam que tinham sido um total de sessenta Reis Magos, a estar presentes no Portal de Belém, todavia nunca disseram como se apresentaram nessa reduzida estância... Finalmente, no século VII consagrou-se o número três, por o Menino Jesus ter recebido igual número de prendas “tipo”.
Foi por volta do ano 845, quando Melchior, Gaspar e Baltazar, apareceram pela primeira vez no Livro Pontifical de Rávena, ainda que exista um mosaico bizantino datado do ano 520, onde já são citados. Uma vez esgotada a questão do número e nomes dos Reis Magos, os seus corpos foram encontrados milagrosamente, ainda que não deixe de causar perplexidade a sua aparição na mesma vala, tratando-se de personagens de diferentes países, especialmente porque até ao século XI não se disse uma só palavra sobre a sua tumba. As (supostas) relíquias foram depositadas, de princípio, na igreja de São Eustorgio de Milão. Pouco depois, em 1164, o arcebispo de Colónia, Reinaldo de Dassel, conselheiro do imperador Federico Barbarroja, aproveitou o saque de Milão para se apoderar dos corpos. Transportou-os para a sua diocese, e depois foram transladados num magnifico relicário de ouro, para a catedral de Colónia – onde se rende veneração na actualidade; pese a que a Igreja não os declarou santos, somente permitiu que os seus nomes sejam impostos aos que recebem o baptismo na sua fé. Até ao século XIV, Baltazar, na iconografia religiosa não era considerado como um homem de raça negra. A Igreja, durante muito tempo, foi renitente a introduzir um negro na tríade dos Reis Magos, já que essa cor estava relacionada com o mundo das trevas. Nas miniaturas dos “Salterios” gregos, a figura de um homem desta raça representa o diabo, o Inferno ou à morte. Mas, optou por ele para consagrar a ideia de que cada um dos três Magos representava um continente, e a um filho de Noé: Melchior a Europa e a raça de Jafet; Gaspar a Ásia e os semitas; e Baltazar a África e aos descendentes de Cain.
Assim estavam as coisas aquando do descobrimento do Novo Mundo - em finais do séc. XV – mas que veio transtornar tudo...! Para completar a homenagem ao Salvador do género humano, seria necessário agregar um quarto Rei Mago, que representasse a América, o que na verdade haveria de simplificar muito a tarefa dos artistas, cujas composições se equilibraram melhor com um número par de figuras! Houve uma intenção de ajustar o problema: em Portugal, na Sé de Viseu, representou-se um Rei Mago armado, emplumado e tudo... mas a “piedade” popular não estava para mais mudanças, e a inovação nunca se estendeu à orbe cristã! Protecções mágicas dos Reis... Por causa da rapidez e do êxito da sua viagem a Belém, sem mostrar indícios de fadiga humana, os reis Magos Magos foram invocados pelos caminhantes. Também pelos agonizantes, quando chegava a hora de empreender a sua última viagem, para conseguir a graça de uma boa morte. E também por terem “caído de joelhos” aos pés do Menino Jesus para o adorar, invocavam-se contra a epilepsia. Em França, os fabricantes de cartas de jogar, figuravam-nos como padroeiros para figurar por reis nas suas cartas – ainda que na realidade se representassem quatro... Na Alemanha, as três letras que compõem as iniciais dos seus nomes, escrevem-se com giz nas portas das casas e nos estábulos – no dia da sua comemoração -, para proteger as pessoas e aos animais.
Ouro, incenso e mirra Os teólogos tiveram de recorrer à habilidade, para atribuir um significado simbólico aos presentes dos Reis Magos! São Bernardo, assegurou que o ouro era destinado a aliviar a pobreza da Virgem; o incenso a desinfectar o estábulo; e a mirra a expulsar os parasitas dos intestinos do Menino. Na realidade Melchior oferece ouro, porque se cria que este metal era uma materialização das deidades. Gaspar, incenso, porque cria-se que o fumo que produzia se encarregava de fazer chegar as suas petições ao céu. E Baltazar, a mirra, por estar conectada esta resina ao mais além, dadas as suas qualidades para o embalsamento. (JMA) NDR – A partir de hoje, até para aproveitar o texto referente à quadra natalícia, a rúbrica “O (IM)POSSÌVEL”, assinada pelo nosso colaborador Manuel Andrade (JMA), vai recuperar alguns textos com estórias da história, abordando muitos temas que, para alguns, serão possíveis, mas para outros não passarão de ficção e, assim, a justificação para o título de “O (IM)POSSÍVEL”. Manuel Luís