domingo, 20 de novembro de 2011

MANUEL MARIA CARRILHO EXPLICOU ORIGEM DA CRISE E FALOU DAS (POSSÍVEIS) SAÍDAS

Manuel Maria Carrilho acedeu ao convite da Câmara Municipal de Loulé e, esta quinta-feira à noite, marcou presença no Salão Nobre da Câmara Municipal de Loulé para participar em mais uma conferência “Horizontes do Futuro”, subordinada ao tema “Compreender a Crise, para sair dela”.
Partindo do princípio de que para sairmos da crise em que o país, a Europa e o mundo mergulhou é necessário ter uma compreensão da própria crise, o orador fez uma retrospetiva dos fatores que levaram ao momento atual e às saídas possíveis. Se há dois ou três anos atrás se dizia que a crise iria ficar resolvida rapidamente, segundo o orador toda esta ideia deveu-se à má compreensão que dela existia. O mesmo acontece com a afirmação de que a crise é uma oportunidade. “Se é uma oportunidade para uns, é porque é um impasse para outros. É hoje uma oportunidade para a Ásia ou para a África, que estão a sair de uma situação de enorme pobreza, mas um grande impasse para a Europa e Ocidente”, disse o professor.
Aos olhos do antigo Ministro da Cultura, desde 2007 esta seria uma crise diferente de todas as outras por duas razões: é uma “crise sistémica”, onde tudo está conectado, e uma “crise civilizacional”, em que tudo está a mudar. Para Manuel Maria Carrilho, na origem da crise e de todos os acontecimentos dos últimos tempos estão três fatores. Em primeiro lugar, a “desideologização”, isto é, o fim das ideologias que tem o seu momento simbólico com a queda do Muro de Berlim. “Até aos anos 80, todos se definiam ideologicamente, eram ideologias pesadas. Mas quando falham as políticas socialistas, há um conjunto de consequências”, afirmou. Depois, a questão da globalização que leva a uma concorrência desleal do ponto de vista fiscal. No que concerne à Europa, foi criada uma zona que não se protege em área nenhuma, segundo este catedrático. “Nenhuma união monetária consegue vingar sem protecionismo”, frisou o conferencista, que aponta ainda as novas tecnologias como fator que deu origem à crise. “Trouxeram imensa desregulação, mercantilização total da informação e o “curto termismo”, não se trabalhando a médio ou longo prazo. “Nunca se fez política num período tão curto de tempo”, sublinhou. A tudo isto, acresce ainda aquilo que o docente considera ser uma vaga contínua do aumento do poder de compra, em que a partir da década de 70 o Ocidente se torna mais consumista do que alguma vez, também com o recurso ao crédito que disparou, “atingindo não só nossa vida quotidiana mas os próprios investimentos públicos”. Referindo-se a esta generalização do crédito, Carrilho citou uma frase do economista Adam Smith: “A Humanidade gosta muito de colher os frutos do que não semeou”. Por outro lado, o conferencista referiu o facto de, desde o início da década, vários autores chamarem a atenção para a insustentabilidade, da generalização de modos de vida que não são sustentáveis. Se é um facto que dos anos 80 até à atualidade houve um aumento brutal na desigualdade no mundo ocidental, a realidade é que para Manuel Maria Carrilho, também aumentou a tolerância à desigualdade, que se deve em parte ao individualismo e falta de representação do coletivo. Impreparação dos políticos portugueses Relativamente a Portugal, o antigo deputado falou das oportunidades perdidas. “Tivemos o nosso Plano Marshall. Recebemos 8 milhões de euros/dia de financiamento da União Europeia, mas entre 1985 e 2005 houve uma má estratégia, por exemplo com uma aposta no turismo fácil, a desvalorização da educação e a estratégia do betão” disse, acrescentando que, desde a estabilização democrática que se seguiu ao 25 de Abril, “ António Guterres foi o único Primeiro Ministro que teve a consciência da rutura mas não a fez porque não teve maioria, e as dificuldades na sua segunda eleição levaram-no a abandonar o projeto”. Em tom crítico para com muitos dos governantes, Manuel Maria Carrilho falou da” impreparação quase absoluta” e da necessidade destes estudarem e conhecerem os dossiers, à semelhança das “boas práticas da Europa”. “Isto acontece em todos os partidos, não se preparam as coisas. E isso paga-se caro. Desse ponto de vista, perdemos muitas oportunidades. O político do século XXI faz-se de conhecimento, de leitura e de debate”, frisou. O antigo Embaixador de Portugal junto da Unesco falou ainda da “deslegitimação das elites em geral e dos governantes em Portugal”, que está a descaraterizar o mandato democrático. “Hoje não se vota num mandato ou num programa mas num governo”, disse.
Saídas da crise Quanto às saídas da crise, o conferencista falou da necessidade de “domesticar a economia e finanças”, isto é, definir uma constituição e mandamentos nestas áreas. No contexto europeu, e porque considera ser esta uma crise de governança mais do que uma crise do euro, falou da necessidade de mudar a forma como se governam as instâncias. “Não há um governo na Europa mas um conjunto de instâncias. A minha opinião é que já andámos depressa demais”, considerou. Em relação a Portugal, o convidado da noite defende uma “legislatura patriótica”, em que cada medida tomada deveria reunir o maior consenso possível. Quanto ao plano de austeridade, o antigo deputado disse não ser possível continuar a pensar nas soluções a curto prazo ou resolver os problemas do país em dois anos. “É preciso um plano para a década. Não há solução no curto prazo. No imediato não se consegue ter ideias, é preciso trabalhar a prazo se queremos ter alguns resultados. O país tem recursos naturais esquecidos como o mar ou as florestas que têm um potencial brutal de desenvolvimento mas não há um desígnio nacional. Porque não se motiva o país?”, questionou ainda. A sobrevivência do capitalismo naquela que é a maior crise de sempre do capitalismo, a sobrevivência da Economia como disciplina, os novos desafios que se colocam ao Estado de Providência, as futuras eleições nos países europeus foram outras das matérias abordadas nesta conferência.