quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

LÍDIA JORGE DEBATEU “QUESTÕES CULTURAIS DO NOSSO TEMPO”



Ciclo de conferências “Horizontes do Futuro”
A escritora louletana Lídia Jorge foi a oradora de mais uma conferência integrada no ciclo “Horizontes do Futuro”, que decorreu ontem à noite, no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Loulé. Figura da Cultura, Lídia Jorge apresentou como tema “Questões Culturais do nosso Tempo”.

Partindo da questão “Será que na Cultura os números falam por si?”, toda a apresentação desta autora consagrada da literatura portuguesa teve em vista fazer uma reflexão sobre a evolução do paradigma cultural nos últimos anos, em que de um conceito mais restrito passou para algo mais amplo, com todas as consequências.

Considerando que Cultura é “uma experiência que cada um tem, é pessoal, intransmissível, subjectiva e vivida na intimidade de cada um”, Lídia Jorge falou do conceito de público como “entidade abstracta, que não existe, ainda que seja contado em números”. “O público é o somatório dos indivíduos que recebem a Cultura e que agem sobre a Cultura. Isto, para mim, é fundamental e está na base de todo o entendimento que acho se deve ter hoje em dia, quando pensamos nas questões da Cultura e nas mudanças que estão a acontecer”, frisou.

Partindo dessa mudança ocorrida nas últimas duas décadas, a escritora realçou os pontos positivos destas transformações, que levaram a uma “abundância cultural extraordinária” em todo o mundo, até mesmo em países com “fraca tradição de práticas culturais” como Portugal. E referiu ainda a capacidade de comunicação dos objectos culturais que existe nos nossos dias e a Cultura enquanto “alimento fundamental das sociedades”. “O projecto cultural de cada ser humano é tão importante como o seu projecto educativo, de saúde, de realização humana”, considerou.

Não obstante toda esta ideia de riqueza cultural, a escritora falou de um “perigo eminente” que tem a ver com essa magnitude das questões culturais poder levar também ao seu “empobrecimento”. “Hoje os agentes culturais, os multiplicadores da cultura, interrogam-se sobre se esta extensão enorme da passagem dos elementos culturais e das práticas culturais corresponde de facto a alguma coisa vivida profundamente ou se o facto de haver uma multiplicidade tão grande não está a laborar aspectos que são apenas de superfície. E é essa a questão que hoje se põe. Todos nós sabemos que temos muitos elementos de natureza cultural, que toda a gente está empenhada, agora qual é a profundidade que se atinge com os novos elementos culturais?”, questionou Lídia.

E seguindo esta ideia, a oradora falou da alteração e da abrangência da Cultura nos últimos 20 anos. Se antes a Cultura era algo de mais restrito, cingindo-se apenas às artes tradicionais, aquilo que Lídia Jorge refere como uma “série de disciplinas densas, praticamente intocáveis”, nomeadamente a literatura, artes plásticas, o teatro, a ópera e, mais tarde, o cinema e a fotografia, nos nossos dias houve uma abertura a outras áreas como o desporto, a gastronomia, as tradições rurais ou as práticas religiosas. “Na minha geração o futebol pertencia ao terror das massas, havia uma espécie de repugnância pelas pessoas que viam futebol. Era considerado uma área que era o inverso e o avesso daquilo que considerávamos que eram verdadeiramente as artes e as letras. O que aconteceu nos últimos 20 anos foi a pulverização completa disso”, explicou, exemplificando com um caso paradigmático dessa alteração.

E de acordo com esta conferencista, as mudanças verificadas devem-se em, muito à “civilização da imagem”, primeiro com a televisão e ultimamente com a cultura tecnológica dos novos meios de informação como a internet. “A visibilidade que é passada para a população é muito mais das áreas ‘não nobres’ que assumem, de facto, o espaço público e a comunicação”, referiu. Neste cenário, enquanto que as áreas de entretenimento assumiram um papel preponderante, a parte da Cultura ligada à arte e a uma área formativa ficou “completamente desfasada”.

É por isso que Lídia Jorge considera, por um lado, a dificuldade em falar de números em relação à realidade cultural e, ao mesmo tempo, a dificuldade em chamar a atenção das pessoas para a cultura no seu sentido tradicional. “Esta é uma questão que não é nossa, é uma questão de todo o mundo. Só que os países que estão mais fragilizados e que entendem que Cultura é meramente entretenimento e passagem de tempo, são de facto os países que têm uma cultura tradicionalmente menos letrada, menos densa, menos cuidada e menos erudita. Nesse sentido, somos um desses povos”, afirmou.

Caracterizando a cultura dos nossos dias como “actos híbridos, onde há um igualitarismo nos agentes culturais que advém da incapacidade de distinguir quem é quem nas sociedades, a idolatria, um mundo marcado pela globalização”, a escritora louletana considera que este cenário poderá levar no futuro a um “amorfismo nas sociedades”.

Em termos da cultura regional, e falando na necessidade de um plano cultural para o Algarve, Lídia Jorge considerou ser fundamental o equilíbrio entre a absorção dos visitantes com a oferta que é dada pelos criadores da zona, “os recolectores, as pessoas que agem em prol da cultura e que têm esse papel fundamental”. Nesse sentido, falou do caso da preocupação da Autarquia de Loulé nesta matéria, visível através do seu programa cultural e da aposta neste equilíbrio.