sexta-feira, 12 de março de 2010
DEPUTADOS ALGARVIOS DO PSD NÃO PARTICIPARAM NA VOTAÇÃO DO ORÇAMENTO DE ESTADO
O PORQUÊ DE UM NÃO VOTO
O Algarve está cansado de ser espezinhado. Chegou a altura de dizer basta! A saída dos deputados algarvios do PSD do hemiciclo, no momento da votação da proposta de lei de Orçamento de Estado para 2010, é a atitude política possível de solidariedade com os colegas de bancada, sem deixar de manifestar publicamente a discordância com este diploma, esgotadas que parecem as possibilidades de fazer compreender ao Governo, a gravíssima situação económica e social em que se encontra a Região, agravada sucessivamente desde 2005, e cujos contornos mais gravosos e mais extensivos não encontram paralelo em nenhum outro distrito.
A nenhum outro distrito ou região de Portugal aconteceu o que sucedeu ao Algarve desde 2005 até hoje. Não há comparação possível. E, por isso, esta atitude representa, simultaneamente, um grito de revolta do povo algarvio, e um grito de alerta. Pode ser que, com este pronunciamento, alguém se dê ao trabalho de confirmar os argumentos que sustentaram a posição dos deputados algarvios do PSD.
Na nossa opinião, este é um mau orçamento para o país, e não faltam razões demonstrativas desta realidade, por parte de analistas políticos e económicos, ou até de muitos dos que, dele discordando, o viabilizaram.
Mas é um orçamento ainda pior para a Região do Algarve, consolidando em 2010 o 6º ano consecutivo de seca em matéria de investimento público minimamente significativo. Um ou outro salpico insignificante, não contribuiu para atenuar o esvaziamento da sua barragem de necessidades.
Há dificuldades noutros lados? É verdade! A crise afecta todos? É verdade! Mas não é aceitável que as medidas restritivas e os sacrifícios afectem o Algarve, ano após ano, numa proporção sempre superior à média nacional.
Não há nenhuma outra região de Portugal que esteja na mesma situação do Algarve, no que respeita a uma quebra tão substancial de fluxos financeiros destinados a investimento público, desde 2005, em três frentes cumulativas e simultâneas: no QREN, no OE e na componente pública desorçamentada. Isto é um facto único, e é inédito.
Vejamos:
1- Por força artificial de um mero efeito estatístico , o Algarve deixou de ser considerado uma Região Objectivo 1 na União Europeia, e deixou/deixará de receber, do QCA III para o QREN, cerca de mil milhões de Euros, entre 2007 e 2013. Em termos financeiros, foi uma catástrofe equivalente a uma outra bem recente, que nos mobilizou solidariamente a todos. Contrariamente ao prometido pelo governo, e à prática de outros governos europeus onde este tipo de situações se verificou, e que compensaram essas regiões com verbas de outras proveniências, o Algarve praticamente nada recebeu. Bem podem os arautos do governo limpar as mãos na Deliberação do Conselho de Ministros nº 420/2006, de 31 de Agosto de 2006, na qual se reconhecia claramente a grave lesão financeira do Algarve, e se prometia um “Envelope Indicativo” para a Região do Algarve, com 300 milhões de Euros suplementares do Fundo de Coesão e do Feader, dos quais, obviamente, não há rasto, já para não falar da promessa não quantificada, a vir do Fundo Europeu das Pescas.
2- O PIDACC para o Algarve tem vindo a decrescer substancialmente a um ritmo muito superior ao PIDACC nacional, desde 2005, situando-se a proposta do governo para 2010 (52 milhões) a um quinto do PIDACC aprovado para 2005 (262 milhões de Euros).
Todos compreendemos que se atravessa uma grave crise económica em Portugal, e que os sacrifícios devem ser partilhados por todos, sem egoísmos. Mas há um mínimo de equidade a respeitar na repartição desses sacrifícios. Enquanto o PIDDAC nacional sofre, de 2009 para 2010, uma quebra de 30,3% no investimento do Estado em todo o país, o Algarve é brutalmente penalizado com uma quebra de 47,1%.
O Algarve representa 4,1% da população residente (sem contar com a carga turística adicional), 4,2% do PIB nacional, mas neste PIDDAC fica reduzido a 1,87% do montante total do investimento do Estado, o que ultrapassou os limites do politicamente aceitável. Já o ano passado, tinha baixado para 2,4% do todo nacional. Seria uma indignidade aceitar este facto, sem uma forte expressão de protesto. Dos 52,9 milhões de Euros do PIDDAC destinados ao Algarve, apenas 22,2 milhões saem dos cofres do Estado central. O Governo anunciou que as receitas turísticas do país ultrapassaram os 6 mil milhões de Euros, em 2009. O Algarve representa cerca de 40% da capacidade turística nacional. No somatório dos diferentes impostos e contribuições sociais aplicáveis (IRS, IRC, IVA, TSU, etc) ao volume de negócio gerado, só o sector turístico do Algarve meteu nos cofres do Estado, seguramente, verbas muito acima de mil milhões de Euros. Os 22,2 milhões de Euros que o Algarve recebe do Estado central para investimento na região (via OE), são uma contrapartida afrontosa para o celeiro fiscal que a região representa para o país.
Este PIDDAC/Algarve, é uma mão cheia de nada. A maioria das verbas nele inscritas é para pagamento de facturas em atraso de obras já feitas, ou são montantes simbólicos que não chegam nem para lançar a primeira pedra onde quer que seja. Não existe uma única obra nova relevante para o Algarve. É um orçamento que atira areia para os olhos. A sua maior verba, de 10,3 milhões de Euros, é a alimentação artificial de areia para as praias do Forte Novo, Vale do Lobo e Garrão, a que se junta igual operação nas praias de Albufeira (2,2 milhões de Euros) e de D. Ana (1,6 milhões de Euros).
3- Na componente de investimento público desorçamentado, designadamente, no que respeita às redes viária, ferroviária, portuária e estruturas de saúde, desde 2005 para cá, não se realizou uma única obra minimamente significativa no Algarve. A Barragem de Odelouca fez-se com o recurso a um empréstimo bancário à empresa Águas do Algarve, cujo serviço da dívida se repercute no preço da água ao consumidor, ou seja, será integralmente paga pelos algarvios. Se levantarmos a cortina da política de desorçamentação levada a cabo por este governo -as célebres parcerias público privadas (PPP), baseadas em endividamentos que todos iremos pagar nos futuros 30 anos-, o panorama é desolador. A reconversão da EN 125 (o projecto Algarve Litoral) viu o contrato de adjudicação “chumbado” pelo Tribunal de Contas, e nem há um pingo de betuminoso no chão. O Hospital Central do Algarve continua no papel. Num outro plano, o Pólis da Ria Formosa pesa pouco e do Pólis da Costa Vicentina nem se ouve falar.
Ora, não existe nenhuma outra região em Portugal que apresente ao mesmo tempo um quadro de perdas financeiras de investimento público, em todas as frentes, como o Algarve, durante tantos anos consecutivos.
Em devido tempo, os dois deputados algarvios do PSD solicitaram ao seu Grupo Parlamentar autorização para apresentar um conjunto de 18 alterações ao Orçamento de Estado, em reforço ou aditamento das verbas para o Algarve contempladas no PIDACC, que pretendiam apresentar em sede de discussão e votação na especialidade, mas tal não foi viável, por conflituar com a estratégia definida pelo PSD e respectivo Grupo Parlamentar de não apresentar alterações à proposta governamental.
Para que conste, nesse caderno de intenções, estavam incluídas:
- Correcção dos molhos de entrada no Porto de Albufeira;
- Execução do projecto de requalificação da Ribeira de Quarteira (correcção torrencial);
- Execução do projecto urbanístico da Cidade Judiciária de Faro;
- Construção de edifício para a Polícia Judiciária de Faro;
- Reforço da verba inscrita, para permitir o real arranque da obra do Porto de Recreio de Faro;
- Execução do projecto e arranque da obra do Centro de Congressos no Parque das Cidades;
- Conclusão das acessibilidades e reabilitação da zona envolvente do Porto de Pesca de Quarteira, incluindo expropriações;
- Execução do projecto e arranque da obra do Posto da GNR de Castro Marim;
- Execução do projecto e arranque da obra do Posto da GNR de Monchique;
- Criação do Centro de Meios Aéreos de Monchique para efeitos de protecção civil;
- Reforço da verba inscrita, para permitir o real arranque da obra de Navegabilidade do Rio Arade, de Portimão até Silves;
- Reforço da verba inscrita, para permitir o real arranque da obra de Navegabilidade do Rio Guadiana, de Vila Real de Santo António até Alcoutim;
- Construção do Estabelecimento Prisional do Algarve, em S. Bartolomeu de Messines;
- Comparticipação na obra de construção do Posto da GNR de Alcoutim;
- Execução do projecto da Barragem da Foupana;
- Construção do Posto da GNR de Aljezur;
- Recuperação e melhoramento do Porto da Baleeira, em Sagres;
- Construção do Posto da GNR de Vila do Bispo.
Embora discordando da estratégia de não apresentação de propostas de alteração ao Orçamento de Estado, por parte da direcção do PSD, respeitámos essa orientação, mas não podemos deixar de sublinhar que este é um mau orçamento para o País, mas sobretudo para a Região que nos elegeu, por todas as razões já aduzidas. Não podíamos, pois, em consciência viabilizar pelo voto um tal documento, tal como fomos sensíveis à questão de que um voto dissonante do partido que representamos, reverteria em benefício do infractor.
A ideia de que o Algarve é uma região rica, é uma ideia falaciosa. É rica, sim, mas a produzir para fora, para os cofres do Estado, para as sedes exteriores dos grandes grupos imobiliários, turísticos, financeiros e da grande distribuição. O que fica na Região é ínfimo e residual. Os fundos comunitários praticamente secaram, e os investimentos do Estado reduziram-se para níveis ofensivamente baixos.
O resultado não poderia ser outro que o da tripla crise: a internacional, a da indiferença nacional, e a endógena, de uma Região exaurida até ao tutano, sobre-explorada com laivos de neo-colonialismo. Os seus sectores económicos, do Turismo à Agricultura e Florestas, das Pescas ao Comércio, estão em crise total. Não é por acaso que o Algarve tem a segunda mais elevada taxa de desemprego em Portugal. E, perante este cenário, o Estado central é o primeiro a desertar, naquilo que poderia ser um fluxo financeiro que reanimasse a economia e aliviasse a crise social do Algarve.
Aos centralistas, que têm nas mãos o poder de decidir onde colocar os recursos do Estado, quando olham para o Algarve, só parece interessar uma auto-estrada para um acesso rápido e fácil ao seu destino de férias.
É tudo isto que justifica a nossa posição. Mesmo arrostando o risco da incompreensão, é uma questão de consciência, e não se reduz a um problema de números.
José Mendes Bota
Antonieta Guerreiro