quinta-feira, 4 de novembro de 2010

MENDES BOTA EM DEFESA DA APICULTURA PORTUGUESA

O deputado Mendes Bota dedicou uma jornada de trabalho parlamentar para se inteirar dos problemas mais prementes do sector da apicultura. Para o efeito reuniu-se em Faro com a direcção da Melgarbe-Associação de Apicultores do Sotavento Algarvio, que representa 158 associados, com mais de 60.000 colmeias, e isto num universo de quase 900 apicultores registados no Algarve com cerca de 100.000 colmeias no total, cuja produção anual tem variado entre as 3.000 e as 5.000 toneladas de mel, só nesta região, segundo estes dirigentes associativos.


Na parte da tarde, Mendes Bota teve ocasião de visitar uma central de produção meleira, em Salir, bem como de visitar unidades de colmeias em plena serra algarvia, e assim melhor compreender todo o processo produtivo e de comercialização, e as dificuldades que os apicultores enfrentam, no acesso a apoios efectivos e defrontando uma burocracia reinante desadequada às realidades do terreno.






Em Portugal, e agora segundo as estatísticas oficiais, existem 17.291 apicultores, com 38.203 apiários e 562.557 colónias, o que corresponde a uma média de 2,21 apiários e 32,5 colónias por apicultor. A produção em 2009 foi de 6.654 toneladas de mel (14,7% pré-embalado e 85,3% a granel) e 235 toneladas de cera. Registe-se que a produção de mel é de 351 mil toneladas na União Europeia e 1.380 mil toneladas no Mundo.
O deputado algarvio, que esteve acompanhado pelo presidente da Junta de Freguesia de Salir, Deodato João, ficou mais consciente da importância da apicultura como actividade complementar para o rendimento das explorações agrícolas, embora se assista já a um fenómeno, ainda que minoritário, de profissionalização desta actividade, em exclusivo de dedicação.
Mendes Bota reconheceu que ”ainda não me tinha apercebido do papel fundamental da apicultura na polinização e fertilização das plantas entomófilas, sobretudo no que respeita à fruticultura, tão mais importante numa região com o potencial citrícola, e não só, como é o Algarve. Nunca me tinha apercebido da colocação de colmeias acopladas a estufas de fruta, tendo precisamente em vista um processo natural de incremento da produtividade. Jamais pensei que a acção das abelhas fosse tão benéfica para a manutenção dos ecossistemas e espaços naturais, para o equilíbrio ecológico da flora e a preservação da biodiversidade, contribuindo para a sustentabilidade do espaço natural. Se um dia se extinguirem as abelhas, talvez a própria sobrevivência humana esteja em causa. Exorto as escolas deste país a promoverem contactos com esta realidade, visitas aos campos, proporcionarem encontros das crianças com os produtores e as suas instalações e compreenderem melhor o que significa produzir o mel, a cera, o pólen, a própolis, a apitoxina, a geleia real, os enxames e as abelhas propriamente ditas. Há que dar o devido valor à apicultura. É um maravilhoso mundo que vale a pena descobrir.”

No seguimento desta visita, Mendes Bota interpelou o Governo, focalizado nas seguintes questões:
1- A actividade agrícola beneficia de combustível mais barato, o chamado “gasóleo verde”. Os apicultores, que têm os seus apiários frequentemente a grandes distâncias de casa, e que carecem por vezes de mais de uma dezena de visitas por ano, fazem elevadas quilometragens, com custos acrescidos com transportes, já para não falar das deslocações da transumância. A pergunta que se impõe é: será possível estender aos apicultores registados os benefícios de que beneficiam os agricultores, em matéria de combustível isento de ISP?
2- O parágrafo 1 do artigo 9º do Decreto-lei nº 203/2005, de 25 de Novembro, que estabelece o regime jurídico da actividade apícola, tornou obrigatória a declaração dos casos suspeitos ou confirmados de um conjunto de doenças das abelhas. Todavia, não ficou claro na redacção desta norma legal, a quem compete fazer essa declaração. Numa interpretação extensiva, poderá presumir-se que essa declaração é cometida aos apicultores. Aqui, coloca-se a questão da impreparação da grande maioria dos apicultores em matéria de sanidade veterinária. A melhor solução passaria pela supressão da norma, e pelo esclarecimento por parte do Governo sobre as medidas práticas para tornar efectivo o rastreio das doenças das abelhas.
3- A Portaria nº 699/2008, que permite a venda directa, pelo produtor, de pequenas quantidades de produtos primários alimentícios de origem animal ao consumo final ou a estabelecimentos de comércio retalhista, veio estabelecer as quantidades de alguns desses produtos, entre os quais o mel, o qual é altamente discriminado relativamente a outros produtos. Assim, enquanto um pescador pode vender directamente até 150 kg de peixe por semana, ou um avicultor pode vender até 350 ovos por semana, um apicultor está limitado a 500kg de mel….por ano. Se tomarmos em consideração que o preço médio de venda do mel em Portugal é de € 2,47, facilmente se constata que a discriminação, pois com € 1.235,00 de receita por ano, a que se deverão deduzir todos os custos inerentes, a actividade deixa de ser atractiva. Isto, para além do facto de se dever incentivar a produção e a comercialização dos produtos artesanais, e ter em consideração que a esmagadora maioria dos apicultores portugueses são de pequena dimensão. Apenas 3,44% dos apicultores são considerados profissionais, com mais de 150 colónias cada. Os apicultores não profissionais são 96,56%.
4- Ainda, relativamente aos limites geográficos da venda directa do pequeno produtor ao consumidor final ou retalhista local, existe uma discrepância entre o Decreto-lei nº 1/2007, de 2 de Janeiro, e a Portaria nº 699/2008, de 29 de Julho. Enquanto o primeiro estabelece na subalínea ii) da alínea a) do artigo 2º, que tal venda se processa nos limites do distrito de implantação da unidade de produção primária, a segunda estabelece no parágrafo 1 do artigo 2º que tal fornecimento “só pode ser efectuado no concelho e concelhos limítrofes do local de produção primária”. Afinal, em que se fica? Pelos limites concelhios, ou pelos limites distritais? Numa lógica de incentivar a actividade, fará mais sentido uma maior abrangência das possibilidades de venda directa, ou seja, no distrito da implantação da unidade de produção primária e distritos limítrofes.
5- Alguns dos grandes problemas com que se defrontam os apicultores que, vivendo no meio rural, junto às suas actividades agrícolas, e pretendem investir na qualidade das suas melarias, o que implica uma nova área de construção, são as restrições dos Planos Directores Municipais, que pretendem empurrar essas instalações para as zonas industriais previstas nesses instrumentos de ordenamento. Ora, isto revela um desconhecimento e uma desadequação profunda da realidade do mundo rural, em geral, e da apicultura, em particular. Os apicultores não têm horários de trabalho. Necessitam de estar próximos das suas melarias, e não de tê-las a longas distâncias. A apicultura nunca foi uma actividade poluente, e os seus resíduos não são perigosos, sendo reconvertidos sem qualquer impacto ambiental. Há que flexibilizar a rigidez destas regras de ordenamento do território, para facilitar a vida aos apicultores.
6- Tendo em consideração que, em Portugal, a grande maioria dos apicultores fica-se pelas unidades de produção primária, sem transformação de produtos do mel e que, existindo um défice comercial anual de mel de € 600.000,00 (exportação de 2,5 milhões de Euros e importação de 3,1 milhões de Euros), há que potenciar rapidamente a nossa capacidade produtiva. Assim, deveria o Governo estudar a possibilidade de licenciar provisoriamente como estabelecimentos para extracção ou processamento de mel ou outros produtos apícolas todas as unidades de produção primária, durante 5 anos, desde que estejam devidamente registadas na Direcção Geral de Veterinária e cumpram todas as imposições do HACCP. Isto permitiria a estes apicultores auferir rendimentos acrescidos, permitindo financiar as obras de reconversão necessárias ao licenciamento definitivo como estabelecimentos.
7- O novo PAN-Programa Apícola Nacional (2011-2013) aponta no sentido da profissionalização do sector e do incentivo à concentração da oferta, bem como da selectividade dos apoios previstos. Serão objectivos aceitáveis, desde que isso não implique a marginalização e a exclusão dos micro, pequenos e médios apicultores, que são a esmagadora maioria das pessoas que se dedicam a esta actividade. Não se podem beneficiar apenas os grandes produtores, pois o sol quando nasce é para todos. Por isso, há que tornar claros os apoios concedidos e, nesse sentido, é desejável conhecer a listagem dos subsídios concedidos, a quem e a que título, durante o período de vigência do PAN (2008-2010) que ora cessa.
8- Olhando para o disposto no artigo 6º do Decreto-lei nº 1/2007, de 2 de Janeiro, relativo às condições para o licenciamento dos estabelecimentos de extracção e processamento de produtos apícolas, constata-se o emaranhado de regulamentos comunitários, de decretos-lei e portarias e o número de entidades que tal envolve, temos que dizer: a burocracia é exagerada para se conseguir um simples licenciamento. O Governo deveria concentrar num único diploma legal todas as disposições aplicáveis ao sector apícola.
9- Outra questão suscitada, tem a ver com a fiscalização selectiva exercida pelas entidades competentes, a qual incide sempre sobre os apicultores que estão devidamente registados e referenciados, os tais que estão obrigados à aposição do número de registo nos apiários, em lugar visível. Tarefa bem mais complexa é a de fiscalizar os apiários ilegais e clandestinos, e que exige uma presença assídua pelos campos, para detectar este tipo de situações.
10- Finalmente, será bom conhecer em que medida o novo PAN (2011-2013) responderá à elevada idade dos apicultores, à sua falta de escolaridade e formação técnica, à devastação dos incêndios florestais, aos elevados custos de produção, quando comparados com os da vizinha Espanha.