quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

"CRUELDADE NA CADEIA DE PASSOS DE FERREIRA" - opinão de Rogério Barroso


«A actuação da equipa de guardas prisionais que, em Setembro do ano passado, no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, imobilizou um recluso após o ter atingido com um disparo de uma pistola eléctrica Taser foi feita de acordo com os preceitos legais e com a autorização dos responsáveis da cadeia, segundo afirmam os Serviços Prisionais.» [in PÚBLICO – 24-02-2011].
Isto é falso no que se refere ao uso da arma ter sido feito «de acordo com os preceitos legais».

Analisemos, portanto!
O Recluso cruelmente agredido por guardas especiais dos Serviços Prisionais no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira estava acusado, segundo as declarações da direcção da cadeia, de não limpar a sua cela há vários meses. Tendo, segundo julgo, recebido ordem para proceder à limpeza, não obedeceu até à intervenção das forças especiais dos Serviços Prisionais, que deram o espectáculo que se ouve e vê no vídeo divulgado tardiamente pelas televisões, pelas rádios (o som) e pelos jornais (as fotos).
Uma (e só uma) infracção é assim apresentada pelas autoridades como sendo praticada pelo Recluso: não proceder, reiteradamente, à limpeza e arrumação do alojamento e respectivo equipamento. A menção a «reiteradamente» já cobre a desobediência à ordem para limpar, se é que houve tal desobediência.
Esta matéria é regulada pelo CÓDIGO DE EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE, publicado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (e pelo Regulamento da cadeia, o qual não pode estabelecer nada, na matéria disciplinar, que não esteja determinado da dita lei, ou em contrário ou diferentemente da mesma).
Sendo verdade aquilo de que o Recluso é acusado, o seu acto é necessàriamente qualificado como a infracção descrita acima, prevista na alínea b) do art.º 103.º do Código mencionado, e qualificada como infracção disciplinar simples.
O Estado pode impôr ao Recluso o banho, o corte de cabelo ou o corte de barba, por particulares razões de ordem sanitária (art.º 27, n.º 3, do código), mas não pode, em caso algum, disparar sobre ele uma pistola eléctrica Taser.
A ordem e a disciplina dentro do estabelecimento prisional tem como finalidades a execução da pena que caiba ao recluso, a segurança no estabelecimento é mantida para protecção dos bens jurídicos pessoais, nomeadamente do recluso, e as três sujeitam o Estado à observâncias dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (art.º 86.º, do código). Não foram observados qualquer desses princípios, como é fàcilmente observável e notório para um português médio, para um homem vulgar ou para um bom pai de família.

Estabelecimento Prisional de Passos de Ferreira
Os meios disciplinares não comuns ou especiais só podem ser usados quando haja perigo sério de evasão ou tirada de presos, ou quando haja perigo sério de prática de violência pelo recluso (art.º 88.º, n.º 4, do código), o que não é o caso presente, a considerar o que diz o Estado, e, ainda assim, no elenco legal desses meios especiais (alíneas a) a f) do n.º 3 do mesmo artigo), que é imperativo, o que quer dizer que não podem ser empregues outros diferentes dos ali citados, não consta o uso e disparo, contra o Recluso, de uma pistola eléctrica Taser. Apesar da cruel e violenta infracção do Estado pelas forças especiais dos Serviços Prisionais ser proibida por lei e não lhe ser permitida, nem sequer houve informação à vítima, como quer, para os casos legais, o n.º 7 do mesmo artigo.
A utilização de meios coercivos (os que foram legais, o que não é aqui o caso) pelo Estado destina-se a impedir os actos infractores do recluso (art.º 94.º, n.º 1, alínea a) do código), essa utilização não pode, ainda assim, afectar a dignidade do recluso, nem a mesma utilização pode ter como fundamento uma questão disciplinar como a presente (n.º 3 do mesmo artigo).

A utilização de quaisquer armas, que, em matéria disciplinar como a presente, é sempre proibida, só é admitida quando se necessite de salvaguardar ou repor a ordem e a disciplina colectivamente entendidas, em legítima defesa do agente do Estado armado ou em estado de necessidade (entenda-se que também por parte do agente do Estado armado) (art.º 94.º, n.º 6, do código)
Por tanto, é absolutamente falso que «a actuação da equipa de guardas prisionais que, em Setembro do ano passado, no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, imobilizou um recluso após o ter atingido com um disparo de uma pistola eléctrica Taser» tenha sido feita de acordo com os preceitos legais.
O Estado mente e a comunicação social do regime, podendo estudar a questão, não o fazendo, e espalhando tal mentira, comete um crime de informação errónea voluntária, que é punido por lei. A Procuradoria da República deve perseguir os crimes aqui denunciados.
A crueldade não foi só praticada na Cadeia de Paços de Ferreira.
Rogério Barroso